Artigo por Camila Cristina Murta*
A Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) promoveu inovações na tutela das sanções aplicáveis pela Administração Pública a licitantes e contratados, inaugurando, assim, uma nova abordagem na disciplina sancionatória em contratações públicas, em que se pressupõe critérios objetivos e métodos ponderados para a imputação de sanções.
Destaca-se primeiramente que a NLLC tratou do direito administrativo sancionador trazendo garantias aos licitantes e contratantes, em três oportunidades, a saber: arts. 151, 156, §1º, 169, §3º, I, que em suma garantem 1) a possibilidade de meios alternativos de resolução de controvérsias em substituição a disputa judicial; 2) aplicação obrigatória da dosimetria na apuração de infrações administrativas; 3) limitação do sancionamento para fatos abergados pelo principio da insignificância.
O direito administrativo sancionador é a submissão do ius puniendi estatal a determinados princípios formais e materiais imanentes ao próprio Estado Democrático de Direito, como o do devido processo legal adjetivo (ampla defesa e contraditório) e substantivo (proporcionalidade e razoabilidade), da segurança jurídica, da legalidade, da tipicidade, da presunção de inocência, da prescritibilidade e da motivação das decisões sancionatórias[1]´, primando pelo resguardo do interesse público.
Outro ponto de destaque é que as referidas garantias são de imediata aplicação desde a publicação da Lei 14.133, em 01/04/2021, mesmo para questões tuteladas pela Lei 8.666/93, posto que as garantias processuais ao particular em processo administrativo seguem as regras do Código de Processo Civil.
O artigo 151 inaugura os institutos da conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas e a arbitragem, de forma exemplificativa, abrindo espaço para novos métodos extrajudiciais de solução de conflitos.
Tais meios alternativos reforçam a segurança jurídica e a celeridade na resolução de conflitos oriundos de litígios entre o ente público e o particular, obedecendo ao princípio da publicidade e se relacionam com os direitos patrimoniais disponíveis, como as questões ligadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao adimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações.
Evidente, pois, que a inovação trazida pela Lei 14.133/2021 permitirá maior celeridade e eficácia para a resolução das controvérsias entre a Administração Pública e o particular. Trazendo, pois, uma nova garantia ao particular, possibilitando obter uma solução em prazo diminuto, em comparação ao Judiciário e obter uma análise qualificada direcionada, que certamente trará maiores vantagens para ambas as partes.
No artigo 156 § 1º da NLLC alguns aspectos deverão ser considerados na aplicação das sanções, entre eles: a natureza e a gravidade da infração cometida; as peculiaridades do caso concreto; as circunstâncias agravantes ou atenuantes; os danos que dela provierem para a Administração Pública; a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle.
O artigo explicita o dever legal de atender os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, conferindo ao particular maior grau de previsibilidade. Além de se subsidiar do artigo 22 da LINDB[2], o qual prevê a consideração da natureza e gravidade da infração cometida, os danos sofridos pela Administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
Tais previsões reduzem em muito o poder discricionário administrativo. Para aplicar a sanção, a Administração deverá avaliar as condições objetivas e subjetivas, exercitando o equilíbrio entre a conduta produzida e o sancionamento incidente.
Caso a Administração Pública não cumpra tais prerrogativas quando da aplicação da sanção, esta poderá ser anulada pelo Judiciário, visto que o poder disciplinar da Administração se submete rigorosamente ao princípio da legalidade e às garantias constitucionais estabelecidas em favor do particular.
No artigo 169 § 3º, I da Lei 14.133/2021 preconiza-se que, em havendo erros de cunho formal, é permitido o saneamento, conjugado com medidas que evitem novos erros da mesma natureza.
A impropriedade formal configura a positivação do principio da insignificância, instituto tipicamente penal, no âmbito das licitação e contratos, ou seja, as condutas inseridas no campo de impropriedade formal, ante a sua lesividade insignificante atípicas tem o condão de afastar a tipicidade material da conduta e, portanto, excluida da punição administrativa.
Percebe-se que não se trata de um culto à impunidade ou incentivo a infrações formais, mas de um instrumento jurídico que não só garante a razoabilidade e adequação da sanção eventualmente imposta à conduta perpetrada, como também permite uma maximização da estrutura estatal para que se punam as condutas de maior lesividade à Administração e ao Erário.
Portanto, o exercício do direto administrativo sancionador deve ter como corolário o principio da juridicidade, atentando-se para os elementos de tipicidade, lesividade, antijuridicidade e a culpabilidade. A não verificação desse elementos não somente constitui infringência ao princípio da segurança jurídica como invalida o processo administrativo.
[1] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, pp. 420 e ss. e artigo Conjur https://www.migalhas.com.br/depeso/350616/direito-administrativo-sancionador
[2] Decreto-Lei 2 de 5 nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)
*Artigo originalmente publicado no ITForum em 12 de maio de 2023
Camila Cristina Murta é líder do Grupo de Trabalho de Compras Públicas da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES). Advogada especialista em Licitações e Contratos, Governança Pública e Tecnológica na Administração Publica, Camila Cristina Murta atua como Especialista em compras e estratégias no setor público na Amazon Web Services (AWS)