Camila Cristina Murta, líder do Grupo de Trabalho de Compras Públicas da ABES, diz que governos inteligentes utilizam dados em prol da eficiência
Nas duas últimas décadas o mercado sofreu constantes alterações, impulsionadas pelas novas tecnologias, novas formatações sociais e também pela expansão cada vez maior da troca de informações no ambiente da internet. Uma verdadeira revolução ocorreu; o mundo mudou, repercutindo em novas formas de contratação, em novos serviços e até em novas necessidades a serem supridas pela Administração Pública, nem sempre compatíveis com as práticas concebidas sob a visão do legislador tradicional.
Todos os dias, é gerada uma quantidade massiva de dados pelo mundo. Empresas e governos produzem formulários, planilhas, cadastros, registros e informações fiscais; pessoas trocam mensagens via Whatsapp, assistem a vídeos no Youtube, compartilham ideias em rede sociais, fazem compras em lojas online e upload de fotos no Instagram. Como se não bastasse, cada vez mais dispositivos eletrônicos estão conectados à internet, reunindo padrões de comportamento dos usuários e armazenando desses dados na nuvem. A esse enorme volume de dados estruturados e não estruturados, gerados em velocidade e variedade cada vez maior, damos o nome de big data. E, esses Dados são inúteis se não gerarem valor e, para isso, eles precisam ser analisados[1].
Uma pesquisa publicada em 2017 pela PricewaterhouseCoopers Brasil (PwC Brasil)[2] afirma que a área de dados cresceu rapidamente desde 2012, espalhando-se por diversas disciplinas, segmentos e indústrias, e prometem, em dez anos, acrescentar até U$ 15 trilhões na economia global. Ao passo que, segundo oGartner®[3], quase 97% dos dados não são utilizados pelas organizações, o que demonstra baixa maturidade acerca do tema.
Os Governos que pretendem fazer uso efetivo dos dados e avançar no uso de big data devem fomentar uma cultura orientada a dados, privilegiando a criação de política de governança geral de dados públicos que possibilite o acesso livre aos bancos de dados e a criação de treinamentos constantes dos servidores públicos.
Dados são utilizados para conhecer o contexto, o fenômeno, o assunto, resolver o problema e proporcionar um maior bem social para a sociedade. Os próprios dados se tornaram uma parte importante da infraestrutura da nação e por meio deles geramos conhecimento. Conhecimento e dados podem levar à inovação. Os dados são insumos para a análise, a escolha, a tomada de decisão e os respectivos desdobramentos dessas ações. Por esta razão, os dados podem ser amplamente descritos como “um bem público” e a disponibilidade e uso são uma parte necessária do domínio público. Nesse sentido, dar atenção para os dados gerados e geridos pelos órgãos públicos é essencial, sendo fator de aumento de produtividade da economia nacional, bem como para corrigir gargalos estruturais que afetam a competitividade e a produtividade da economia nacional frente aos outros países.[4]
A percepção do valor dos dados no domínio público depende não apenas da exploração tecnológica de grandes quantidades de dados, mas também da estratégia de governança desses dados. A estratégia de governança de dados ganha valor quando inserida em um contexto nacional mais amplo e alinhada com a visão geral da nação. Para isso, tal governança depende da implementação de diferentes tecnologias de big data.
Essas tecnologias que possibilitam o Big Data incluem a nuvem, blockchain, a internet das coisas, aprendizagem de máquina, plataforma para análise e visualização de dados, dentre outras. Juntas, essas inovações ajudam na coleta, integração, validação, análise em tempo real e geração de relatórios de grandes volumes de dados. Geralmente, as instituições governamentais decidem por utilizar ambientes
híbridos para atender diferentes desafios e demandas do governo, sejam elas determinadas por lei, políticas ou diretrizes gerais, visando à obtenção do maior valor possível dos dados.
Desta forma, o governo pode atuar em diferentes abordagens: como provedor, como laboratório, como regulador, como plataforma, e como um sistema inteligente. As duas últimas formas não estão implementadas no Brasil.
O que temos amplamente é o governo provedor disponibilizando dados para a sociedade civil como, por exemplo, o Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU), lançado em 2004, para acesso a informações sobre gastos públicos, o Atlas do Estado Brasileiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que disponibiliza dados do serviço público brasileiro e o acesso ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), disponibilizado pela Receita Federal do Brasil (RFB)
Alguns estudos apontam que dentre as habilidades essenciais para inovação no setor público, a alfabetização em dados é uma delas. A capacitação de agentes públicos na cultura de dados, que é a tomada de decisão pautada em dados e evidências, e não em ‘’achismos’, é fundamental.[5]
O potencial econômico e social do uso de dados é cada vez maior. A partir da adoção de uma gestão orientada a dados, há uma tendência de aumento do valor dos dados, em decorrência da análise destes. Governos inteligentes utilizam dados para tornar a produção mais eficiente e fornece ferramentas para enfrentar os desafios sociais. Além da necessidade de harmonizar o avanço tecnológico, a prestação dos serviços públicos de qualidade, bem como a adaptação e adequação de conhecimentos dos servidores e funcionários públicos que atuam nos órgãos e entidades.
Portanto, estar preparado para a Era dos Dados não significa apenas ter uma vasta base de dados ou dispor de um robô que atenda seus usuários de maneira digital e automatizada. Necessário se faz o alinhamento da estratégia, processos, pessoas, uso de tecnologia e dados. Com vistas a estruturar e administrar os ativos de dados com o objetivo de fomentar, aprimorar e garantir a efetividade do uso dos dados para o desenvolvimento de políticas públicas e entrega de soluções e serviços ao cidadão.
[1] Rafael Soares Mota – Como Ferramentas de Análise de Dados e de Machine Learning podem Colaborar com o Planejamento das Compras – Livro Licitações e Contratos Administrativos na Lei 14.133/2021 – Ed. Negócios Públicos 2022.
[2] https://www.pwc.com/gx/en/issues/data-and-analytics/publications/artificial-intelligence-study.html
[3] AWS, The Power Of Data Driven Enterprise. Disponível em https://d1.awsstatic.com/executive-insights/
en_US/ebook-accenture-the-power-of-the-data-driven-enterprise.pdf. Acesso em 04.05.2022
[4] https://www.gov.br/governodigital/pt-br/governanca-de-dados/forum-governanca-de-dados/cartilha-de-governanca-de-dados-volume1-8-12.pdf
[5] A era dos dados para o setor público – Uma nova cultura organizacional analistica – IRIS\ Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará, AWS Institute e Social Good Brasil. Brasil 2021.
Camila Cristina Murta é líder do Grupo de Trabalho de Compras Públicas da ABES
*Artigo originalmente publicado no Portal ITForum em 30 de outubro de 2023