Por Camila Murta, Líder do GT Compras Públicas da ABES
Primando pela adoção de diretrizes mais modernas e ágeis, primando pela transparência, eficiência e celeridade dos procedimentos licitatórios, em 01/04/2021, foi promulgada a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLC (Lei nº 14.133/2021[1]), produzindo seus efeitos desde sua publicação oficial.
Entretanto, a Nova Lei Federal trouxe uma modulação dos efeitos da vigência permitindo a convivência concomitante, por 2 (dois) anos, dos regimes jurídicos antigos[2] e o recém lançado.
A regra de vigência e a regra de transição estão dispostas no inciso II, do artigo 193 e do artigo 191 da NLLC. A regra de vigência previu a ultratividade das leis antigas – (art. 193) e, a regra de transição concedeu á Administração opção de escolher entre as leis antigas ou a nova lei de licitações – (art. 191).
A regra de vigência deixa claro o prolongamento dos efeitos das leis antigas para além do prazo de sua vigência. Permitindo, portanto, que a Administração escolha por licitar ou contratar observando as regras da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/02, arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/11, sendo o contrato decorrente dessa licitação regido por essas legislações, e não pela Lei nº 14.133/2021, mesmo após 1º de abril de 2023.
Sendo este o entendimento do professor Victor Amorim[3]:
“Em caso de opção pelo regime da Lei no 8.666/1993, os contratos decorrentes do processo de licitação, dispensa ou inexigibilidade serão por ela regidos durante toda a sua vigência. A depender da vigência inicial e da possibilidade de prorrogação dos contratos, mesmo após 1º/4/2023 estar-se-ia diante da ultratividade da Lei no 8.666/1993, ao regular contratos específicos firmados até 31/3/2023.”
Assim, é cristalino que a partir de 1º de abril de 2021 até 31 de março de 2023, esteve vigentes a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/02, arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/11 e, a Lei nº 14.133/2021, tendo a Administração Pública a faculdade de escolher entre as legislações anteriores ou a nova lei de licitações e contratos.
Já a regra de transição se pauta na possibilidade de escolha dada à Administração para realizar uma licitação ou contratar diretamente (dispensa de licitação, inexigibilidade) seguindo as regras da Lei nº 14.133/2021 ou da legislação antiga.
A escolha, recebeu a interpretação ampla para benefício da Administração Pública, ocorrendo na fase interna da licitação ou contratação direta, ou seja, no momento da instrução do processo administrativo, devendo se dar de forma expressa, seja por Portaria, ou despacho da autoridade competente do Órgão.
Nesse lapso de dois anos abriu-se a oportunidade para a Administração Pública: i) regulamentar os temas dispostos na NLLC; ii) capacitar seus agentes públicos; iii) adequar-se operacional, tecnológica e estruturalmente; iv) adequar seus processos internos, em especial, no tocante à governança pública. Bem como oportunizar que os fornecedores se capacitem para contratar com a administração pública observando as novas regras da Lei no 14.133/2021, com segurança.
Contudo, o que se viu, foram adiamentos de medidas operacionais, o atraso na regulamentação da lei e a lacuna de regulações, o nascedouro de muitas dúvidas e discussão sobre a execução de dispositivos legais e, em especial, questões relacionadas às regras de vigência e transição.
Na finalidade de dirimir as dúvidas suscitadas pelos Órgãos Públicos, a Secretaria de Gestão e Inovação (SGI)[4] do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos- (MGI) estabeleceu, por meio da Portaria SEGES nº 720, de 15 de março de 2023, que o prazo para publicação do edital com base nas leis nº 8.666/93, nº 10.520/02 e nº 12.462/11 seria até 1º de abril de 2024, devendo constar expressamente até 31 de março de 2023, na fase preparatória da licitação, a opção pelas normas que serão revogadas, bem como a autorização pela autoridade competente.
Entretanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) manifestou-se, em 22/03/2023, sobre a Portaria 720/2023 exarando o Acórdão 507/2023 – TC 000.586/2023-4[5] dando nova interpretação a regra de transição e fixando até o dia 31/12/2023 para a publicaçãodos editais de licitação e dos extratos das ratificações da contratação direta.
9.2.1. os processos licitatórios e os de contratação direta nos quais houve a “opção por licitar ou contratar” pelo regime antigo (Lei 8.666/1993, Lei 10.520/2002 e arts. 1º a 47-A da Lei 12.462/2011) até a data de 31/3/2023 poderão ter seus procedimentos continuados com fulcro na legislação pretérita, desde que a publicação do Edital seja materializada até 31/12/2023; 9.2.2. os processos que não se enquadrarem nas diretrizes estabelecidas no subitem anterior deverão observar com exclusividade os comandos contidos na Lei 14.133/21; 9.2.3. a expressão legal “opção por licitar ou contratar” contempla a manifestação pela autoridade competente que opte expressamente pela aplicação do regime licitatório anterior (Lei nº 8.666/1993, Lei nº 10.520/2002 e Lei nº 12.462/2011), ainda na fase interna, em processo administrativo já instaurado.
A última quinzena de março foi agitada, tendo os Estados proferido seus Decretos[6] dispondo sobre o marco temporal de transição dos regimes jurídicos de contratações públicas, regulando o prazo fatal para a publicação dos editais, baseados na opção trazida pela Lei Federal. A exemplo o Estado de São Paulo fixou até dezembro de 2023; o Estado do Rio de Janeiro fixou até setembro de 2023; o Estado do Rio Grande do Sul fixou até fevereiro de 2024 e, o Estado da Bahia fixou até março de 2024.
Reconhece-se que, embora o legislador nacional tenha estabelecido o prazo de 2 anos de convivência harmônica entre as legislações para que a experimentação acontecesse, bem como as adaptações, o que se constatou foi a vivência completa das leis antigas e a dormência da nova lei.
Ademais, a edição de atos normativos, com marcos temporais diversos e futuros ao limite estabelecido na NLCC, ou seja, 01/04/2023, abala a segurança jurídica dos processos licitatórios e contratações direta, bem como denota o desvirtuamento do texto legal na interpretação mais favorável da expressão ‘’opção por licitar ou contratar’’, que deveria ter sido entendida como o momento anterior a publicação do instrumento convocatório, entretanto, por interpretação ampla, fundada no artigo 20 da Lindb[7], argumentou-se que a definição da transição, considerando a escolha na fase interna, deveria ser previlegiada.
A pá de cau veio na noite da sexta-feira, dia 01/03/2023, em edição extra do Diário Oficial da União, com a publicação da Medida Provisória 1.167/2023 a qual prorroga até 30 de dezembro de 2023 a validade das leis antigas. Com tal medida União, Estado e Municipios poderão publicar seus editais nos ditames das leis antigas até o dia 29/12/2023, unificando, pois, toda a legislação sobre o assunto.
A prorrogação do prazo foi um pleito dos prefeitos que estiveram reunidos durante a 24ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, realizada em março. De acordo com levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), 60% das cidades não conseguiram cumprir o prazo de adequação à nova lei, que exige treinamento de pessoal, mudança em rotinas administrativas e investimentos em tecnologia[8].
Portanto, a MP concede uma sobrevida de 8 meses da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/02, e parte da Lei nº 12.462/11 para que, nesse período adicional de tempo, seja, de fato, exercita a transição legal ignorada desde 2021 e, passemos a usufruir dos comandos estabelecidos na Lei 14.133/2021.
[1] Lei 14.1333/2021 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm
[2] Lei nº 8.666/93, podendo se utilizar subsidiariamente da Lei nº 10.520/02 (Lei do Pregão) e das regras do RDC (Lei nº 12.462/2011), com seus regulamentos.
[3] Victor Aguiar Jardim de Amorim. – 4. ed. – Brasília, DF : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2021
[4] https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/fique-por-dentro-das-regras-de-transicao-para-uso-da-nova-lei-de-licitacoes acessado em 23/03/2023
[5] https://zenite.blog.br/wp-content/uploads/2023/03/acordao-no-507-2023-plenario.pdf acessado em 24/03/2023
[6] Decretos: Estado SP – 67.570/2023; Estado RJ – 48.375/2023; Estado RS – 56.937/2023; Estado BH – 21.966/2023
[7] Lei nº 13.655/201
[8] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/04/03/medida-provisoria-prorroga-prazo-de-adequacao-a-nova-lei-de-licitacoes