Uma análise sobre o equilíbrio entre o dever de cuidado dos prestadores de serviços e a responsabilização das plataformas digitais à luz da legislação
por ABES – 10:00 am – 10 de abril de 2025

Imagem: Shutterstock
A responsabilidade civil é um dos pilares fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, refletindo a necessidade de reparação de danos causados a terceiros. No Brasil, o dever de cuidado, previsto no artigo 43 do Código Civil, é um elemento central na discussão sobre a responsabilidade dos prestadores de serviços. Este artigo disciplina a possibilidade de reparação de danos causados àqueles que não agiram com a diligência necessária, estabelecendo um padrão de comportamento esperado em diversas relações, incluindo as digitais.
No início do ano a Meta anunciou que não manteria nos EUA mecanismos de moderação de conteúdo nas suas plataformas. Importante dizer que tais mecanismos foram fundamentais para evitar informações falsas sobre, por exemplo, prevenção e remediação da COVID-19 que abalou o mundo.
No Brasil o modelo de moderação persiste, mas a iniciativa indica que possa estar com seus dias contados. O censo do IBGE de 2022 revelou que 163 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais, dos quais 151,5 milhões são alfabetizados, apresentam uma taxa de alfabetização de 93%. Contudo, 11,4 milhões ainda não sabem ler e escrever um bilhete simples, resultando em uma taxa de analfabetismo de 7%. Esse dado é crucial para entendermos a complexidade da atribuição de responsabilidade aos usuários das plataformas digitais. A falta de compreensão plena das informações postadas pode levar a interpretações errôneas e ações inadequadas, complicando a responsabilização dos indivíduos por suas postagens.
O artigo 19 do Marco Civil da Internet, atualmente em debate no Supremo Tribunal Federal, estabelece que os provedores de aplicações de internet não são responsabilizados por conteúdos gerados por terceiros, exceto quando, após ordem judicial, não removem o conteúdo considerado ilícito. No entanto, essa disposição não inviabiliza a aplicação do artigo 43 do Código Civil, que trata do dever de cuidado. Ambas as normas podem coexistir, pois o Marco Civil regula a prestação de serviços na internet, enquanto o Código Civil estabelece o padrão de diligência esperado para relações civis. A intersecção dessas legislações é vital para garantir um ambiente digital seguro e responsável, que proteja tanto os usuários quanto os prestadores de serviços.
Um aspecto fundamental do dever de cuidado das plataformas digitais é a transparência na governança das informações. Isso significa que as plataformas devem disponibilizar mecanismos acessíveis para evitar danos a terceiros. A implementação de ferramentas que permitam a denúncia de conteúdos impróprios, a promoção de práticas de segurança digital e a disponibilização de informações claras sobre como os dados dos usuários são tratados são fundamentais para que as plataformas atuem de forma responsável no Brasil. A acessibilidade a esses mecanismos fortalece a confiança dos usuários e contribui para um ambiente digital mais seguro e ético.
É essencial que as plataformas digitais assumam um papel ativo na promoção de um ambiente seguro e informativo. A eficiência no funcionamento dessas plataformas pressupõe que todos os envolvidos — usuários e provedores — assumam responsabilidades. Os provedores devem implementar mecanismos que promovam a educação digital, a fim de facilitar a compreensão e o uso responsável das ferramentas disponíveis. Por outro lado, os usuários precisam estar cientes de suas responsabilidades ao compartilhar informações, considerando as implicações legais e sociais de suas ações.
A distribuição adequada das responsabilidades é, portanto, uma condição importante para que o Brasil se destaque como referência em circulação de informações idôneas na rede. Um ambiente digital saudável depende da atuação consciente de todos os agentes envolvidos. A educação digital deve ser uma prioridade, capacitando os usuários a compreenderem as implicações de suas postagens e a utilizarem as plataformas de maneira responsável.
Além disso, a discussão sobre os limites da responsabilidade civil deve incluir uma análise crítica da proteção dos dados pessoais. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) reforça a necessidade de que as plataformas adotem práticas que garantam não apenas a segurança dos dados, mas também a transparência em relação ao uso das informações dos usuários. Esse aspecto é fundamental para cultivar a confiança nas plataformas digitais e promover um ambiente onde a responsabilidade civil possa ser efetivamente aplicada.
Em conclusão, os limites da responsabilidade civil brasileira nas plataformas digitais exigem uma reflexão profunda sobre o dever de cuidado e as responsabilidades compartilhadas. A coexistência do artigo 43 do Código Civil com o artigo 19 do Marco Civil da Internet é essencial para um ambiente digital seguro e consciente.
A educação digital, a transparência na governança das informações e a responsabilidade são fundamentais para garantir a circulação ética e responsável das informações na internet. A colaboração entre usuários e provedores é crucial para construir um espaço digital que respeite os direitos de todos e promova a integridade das informações compartilhadas.

Marcelo Almeida é advogado, mestre em direito e Diretor de Relações Governamentais da Associação Brasileira das Empresas de Software – ABES.
Referências:
“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.” Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
“Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.” Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm
*Artigo originalmente publicado no IT Forum em 10 de abril de 2025