Eduardo Felipe Matias*
A explosão da IA generativa desencadeou uma nova corrida global pela instalação de data centers. Hospedar essa infraestrutura representa acesso a empregos, receitas fiscais e, sobretudo, soberania sobre dados estratégicos. Alguns governos já compreenderam que mais IA significa maior consumo de energia e água e, por isso, vêm se mobilizando para internalizar essa cadeia de forma sustentável – como mostram iniciativas recentes nos Estados Unidos e no Brasil.
No dia 23 de maio, o presidente Donald Trump assinou quatro decretos para acelerar a construção de usinas nucleares, associando explicitamente o setor à “corrida da inteligência artificial”. A medida marca uma mudança em relação ao início de seu mandato, quando defendia o carvão, o petróleo e o gás como base energética. Agora, o governo reconhece que essas fontes não são suficientes para atender à demanda crescente provocada pelas novas tecnologias, e os incentivos à energia nuclear contam com apoio bipartidário, por não gerarem emissões de carbono.
A relação entre a expansão dos data centers e o aumento no uso de eletricidade é direta. Atualmente, eles consomem 415 TWh por ano – mais do que toda a Arábia Saudita – e essa demanda deve alcançar 945 TWh até 2030, aproximando-se do consumo total do Japão. Os EUA devem concentrar 45% desse total.
Esse crescimento na demanda é impulsionado pelo avanço da IA generativa. Treinar modelos como o GPT-4 requer de sete a oito vezes mais energia do que tarefas computacionais tradicionais. E o consumo energético continua após o treinamento: cada pergunta feita ao ChatGPT consome cerca de 10 vezes mais eletricidade do que uma busca comum na internet.
O impacto também se estende ao uso da água. O resfriamento dos servidores consome, em média, 1,8 litro por kWh. Pesquisadores da Universidade da Califórnia calcularam que entre 20 e 50 consultas ao GPT-3 resultam na evaporação de cerca de meio litro de água. Se os atuais 400 milhões de usuários semanais do ChatGPT mantiverem esse ritmo, o volume evaporado pode chegar a 200 milhões de litros em apenas uma semana – o suficiente para abastecer, por um dia, cidades como Sorocaba ou Guarulhos.
Exemplos recentes mostram a intensidade do consumo hídrico associado a essa infraestrutura. Em julho de 2022, durante o treinamento de uma versão do GPT em Iowa, foram utilizados 43 milhões de litros de água, o equivalente a 6% de toda a água consumida no distrito naquele mês. Já no “corredor de data centers” da Virgínia, o consumo hídrico aumentou 64% entre 2019 e 2023. Dados como esses levam a Agência Internacional de Energia a projetar um aumento de 80% na pegada hídrica da IA até 2030.
O governo brasileiro busca atrair essa indústria, promovendo o País como um destino competitivo e sustentável, com destaque para sua matriz elétrica majoritariamente renovável – 83% de origem limpa, principalmente hidrelétrica. Para isso, elaborou o Plano Nacional de Data Centers (ReData), que tem como meta captar 2 trilhões de reais em investimentos na próxima década. O plano prevê isenção de impostos sobre equipamentos importados e exportação de serviços, além de medidas para desonerar a cadeia produtiva nacional.
Essa ambição é justificável. Atualmente, 40% dos aplicativos brasileiros estão hospedados no exterior – em locais como Oregon, Virgínia ou Texas, os custos são até 40% menores. Repatriar parte desse tráfego significaria poupar divisas, gerar empregos qualificados e fortalecer a soberania digital.
Ainda que haja soluções técnicas em desenvolvimento para reduzir os impactos ambientais dos data centers – como resfriamento com água reciclada, uso de energia solar e maior eficiência dos algoritmos com apoio da própria IA – qualquer estratégia para trazê-los requer atenção a riscos importantes.
Um deles é a segurança hídrica. A seca histórica de 2024 forçou o acionamento de termelétricas movidas a combustíveis fósseis no Brasil, evidenciando que nem mesmo países com abundância de rios estão imunes à escassez. Esse perigo se agrava quando data centers com alto consumo de água se instalam em regiões já vulneráveis.
Brasil e EUA não são os únicos nessa disputa. Índia, Arábia Saudita e União Europeia também lançaram pacotes de incentivos para atrair data centers. É importante observar, entretanto, que apenas a isenção de impostos sobre equipamentos pode não ser suficiente. Segundo Mehdi Paryavi, presidente da IDCA (Autoridade Internacional de Data Centers), a atração de investimentos depende também de um marco regulatório seguro e flexível para os negócios digitais, além de um panorama claro dos recursos energéticos disponíveis.
Organizações que zelam por sua reputação devem levar em conta não apenas o custo financeiro, mas também as pegadas de carbono e hídrica das infraestruturas que utilizam. Cabe a empresários e executivos avaliar, ao escolher provedores de nuvem ou planejar instalações próprias, de onde vem a eletricidade, quanta água é consumida no processo e quais compromissos ambientais foram assumidos.
A disputa pelos data centers vai além da atração de investimentos. O que está em jogo é quem controlará a infraestrutura crítica da economia digital – e com que grau de responsabilidade socioambiental. Nações que conseguirem combinar preços competitivos, matriz energética renovável e políticas sustentáveis terão vantagem nesse novo cenário.
Artigo publicado originalmente no Estadão/Broadcast em 30 de maio de 2025.
*Sócio responsável pela área empresarial do escritório Elias, Matias Advogados, é duas vezes ganhador do Prêmio Jabuti pelos livros “A Humanidade e suas Fronteiras: do Estado soberano à sociedade global” e “A Humanidade contra as Cordas: a luta da sociedade global pela sustentabilidade”. É coordenador do livro “Marco Legal das Startups: Lei Complementar 182/2021 e o fomento ao empreendedorismo inovador no Brasil”. Colunista da revista Época Negócios e do Broadcast/Estadão, já publicou mais de 100 artigos em diversos meios de comunicação do País. Doutor em Direito Internacional pela USP, onde também se graduou. Pós-doutorado pela IESE Business School, na Espanha, mestre em Direito Internacional pela Universidade de Paris II Panthéon-Assas e visiting scholar na Columbia University em Nova York e nas Universidades de Berkeley e Stanford, na California. Foi Vice-Presidente da Comissão de Startups da OAB/SP, é líder do Comitê de Startups da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES).