Por Fabio Rua
Acabo de colocar reticências no livro “Inteligência Artificial: como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamos, trabalhamos e vivemos”. Seu autor, Kai-Fu Lee (chinês), é considerado um dos principais líderes globais de tecnologia, tendo desenvolvido carreira em empresas como Apple, Microsoft e Google, nesta última como presidente da unidade China.
De tudo o que li e aprendi, o que mais me fez refletir foi a descrição sobre como a corrida pela supremacia na IA está mudando a balança de poder e a geopolítica mundial. E nela existem hoje três pelotões de países: O primeiro, chamarei de retardatários estrategistas, aqueles que acham que a inteligência artificial é importante e precisa ser estudada – mas não vão muito além disso. O segundo, dos intermediários pragmáticos, que já perceberam que estão ficando para trás e resolveram acelerar. E o último, dos líderes supersônicos, que estão há anos luz dos demais e tem na IA um dos principais pilares das suas estratégias de crescimento e desenvolvimento de longo prazo. O livro, aliás, é muito bom, e recomendo sua leitura.
Acho que não é surpresa para ninguém que o batalhão da frente conta com apenas dois países: os Estados Unidos e a China.
Para quem acompanha esse assunto, já beira ao consenso a máxima de que o preparo necessário para se atingir uma economia orientada pela IA exige, basicamente, quatro elementos: empreendedores vorazes, um exército de engenheiros e cientistas de IA, capital de risco abundante e dados, muitos dados.
Mas o que poucos especialistas reconhecem é que sem uma boa dose de (1) governança pública e (2) estímulos governamentais, essa corrida teria de ser cancelada por falta de parâmetros e preparo dos atletas, que não teriam fôlego para cruzar a linha de chegada.
No primeiro ponto, há de se reconhecer que muitos países vêm avançando nos debates e na construção de princípios, boas práticas e regulações para o uso de inteligência artificial – inclusive o Brasil. Por aqui, estamos concluindo o processo de elaboração da nossa estratégia nacional de IA e, ainda no primeiro semestre de 2020, devemos acelerar o diálogo em torno de algum tipo de legislação para o uso desta tecnologia.
Mas no segundo, não há como negar: os Estados Unidos e a China, com esta ainda à frente mais uma vez, são recordistas absolutos. Com envolvimento direto dos níveis mais altos de governo, esses países largaram e seguem liderando por meio de enxurradas de financiamentos, apoio real a startups, a pesquisas, desenvolvimento de incubadoras, de laboratórios, de centros de treinamentos, parcerias com universidades, setor privado e, não menos importante, adquirindo tecnologia por meio de contratos que abrangem desde a IA para a transformação digital e inteligente do setor público, até para projetos de reconhecimento facial, de veículos autônomos, drones e robôs.
No Brasil, mesmo na condição de representantes dos retardatários estrategistas – triste, mas verdadeiro -, temos totais condições de avançar para o pelotão seguinte. E os governos, em todos os níveis, tem papel fundamental. Será importante aproveitarmos o ano de eleições municipais, o debate legislativo em curso e o fato de que o executivo federal vem imprimindo importantes esforços – e vitórias – na digitalização dos serviços públicos, para inserir a inteligência artificial como um dos principais habilitadores do nosso desenvolvimento de longo prazo.
Lembram-se das reticências que citei, no primeiro parágrafo? Que elas, e não um ponto final, sirvam de inspiração para que o governo e o setor privado sigam em um trabalho conjunto e contínuo, estruturando ações que priorizem a inteligência artificial como elemento vital para a construção de uma economia habilitadora de crescimento e prosperidade.
*Fabio Rua é diretor e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES)