Jamile Sabatini Marques, da Abes | 3/09/24 08:15
A crescente digitalização dos serviços públicos e a integração da Inteligência Artificial (IA) nos sistemas de governo têm provocado uma revolução silenciosa na maneira como o Estado se relaciona com os cidadãos. Essa transformação não apenas melhora a eficiência e a eficácia dos serviços, mas também oferece novas formas de interação, gerando um governo mais proativo, transparente e adaptado às necessidades individuais da população.
O conceito de governo digital vai além da simples digitalização de processos existentes. Ele propõe uma transformação completa dos serviços públicos, utilizando tecnologias digitais para facilitar o acesso e melhorar a administração. Com uma infraestrutura robusta de tecnologia da informação (TI), os governos agora podem oferecer serviços on-line, eliminando a necessidade de interações físicas e promovendo a transparência por meio de plataformas de dados abertos.
Dentro desse contexto, a IA emerge como um elemento transformador. Por meio da automação de tarefas burocráticas, a IA libera recursos humanos para atividades mais estratégicas. Além disso, sua capacidade de analisar grandes volumes de dados permite que os governos identifiquem padrões, prevejam tendências e tomem decisões mais informadas, aumentando assim a eficácia das políticas públicas.
Uma das aplicações mais promissoras da IA no governo digital é a personalização dos serviços públicos. Com o uso de algoritmos de aprendizado de máquina, é possível adaptar os serviços às necessidades e preferências individuais dos cidadãos, melhorando significativamente a satisfação do usuário. Na segurança pública, por exemplo, tecnologias como o reconhecimento facial e a análise preditiva podem ser utilizadas para reforçar a segurança e responder de forma mais rápida a incidentes.
A IA também está ajudando a transformar a educação e a saúde pública. Na Estônia, por exemplo, a IA é usada para personalizar a educação, adaptando os itinerários de aprendizagem às necessidades dos alunos, o que tem melhorado o desempenho acadêmico e a satisfação dos estudantes. Da mesma forma, a análise de dados em tempo real está sendo utilizada em cidades como Nova York para otimizar o transporte público, ajustando os horários conforme a demanda.
Apesar das inúmeras vantagens, a implementação da IA nos governos não está isenta de desafios. A coleta e análise de grandes volumes de dados pessoais levantam questões sobre privacidade e segurança. Além disso, se não forem cuidadosamente monitorados, os algoritmos de IA podem perpetuar preconceitos existentes, amplificando desigualdades.
Exemplos como o uso de tecnologias de reconhecimento facial nos Estados Unidos, que enfrentaram críticas por viés racial, destacam a importância de considerar cuidadosamente as implicações sociais e éticas da IA. Esses desafios ressaltam a necessidade de transparência e engajamento público na implementação dessas tecnologias.
Os dados abertos são fundamentais para o desenvolvimento de um governo inteligente. De acordo com Elinor Ostron, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia, os dados, quando utilizados coletivamente, podem trazer benefícios significativos para a sociedade. Governos que disponibilizam dados abertos promovem o empreendedorismo inovador, permitindo que cidadãos desenvolvam soluções tecnológicas que atendam às necessidades da sociedade.
Além disso, a participação ativa da sociedade no processo de tomada de decisões é essencial para criar um vínculo direto entre as necessidades da população e as soluções apresentadas pelo governo. Isso só é possível com garantias efetivas de transparência, segurança e privacidade na gestão dos dados.
Estudos de caso de governos ao redor do mundo oferecem lições valiosas sobre a incorporação da IA nos serviços públicos. O Brasil, por exemplo, tem implementado iniciativas de governo digital em diversos estados, com destaque para o Tribunal de Contas da União (TCU), que utiliza IA para melhorar a eficiência de suas atividades.
A experiência da Estônia e de Nova York demonstra que, com a abordagem correta, a IA pode transformar significativamente a administração pública. No entanto, falhas em antecipar problemas podem levar a resultados contraproducentes, como a perda de confiança pública.
À medida que a tecnologia avança, as possibilidades de aplicação da IA no governo se expandem. Espera-se que a IA possa liderar avanços em áreas críticas como saúde pública, segurança e gestão de recursos naturais. No entanto, para que isso ocorra de forma responsável, é fundamental que os desafios éticos e operacionais sejam gerenciados com cuidado.
O futuro do governo digital impulsionado pela IA depende das ações que tomarmos hoje. É crucial expandir as pesquisas sobre a aplicação da IA em contextos governamentais, focando em estudos interdisciplinares que combinem tecnologia, ciência política, ética e direito. Além disso, é essencial que os formuladores de políticas desenvolvam diretrizes claras para a proteção de dados e a prevenção do viés algorítmico.
A IA é uma ferramenta poderosa que, quando utilizada de forma ética e responsável, pode transformar a administração pública, tornando-a mais eficiente e adaptada às necessidades dos cidadãos. No entanto, essa transformação exige uma abordagem cuidadosa, que considere as implicações sociais, econômicas e políticas, garantindo que os benefícios da IA sejam amplamente distribuídos e que os direitos fundamentais dos cidadãos sejam protegidos.
Jamile Sabatini Marques, da Abes
Jamile Sabatini Marques é diretora de fomento e inovação da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES)
*Artigo originalmente publicado no Mobile Times em 3 de setembro de 2024