Empresas inovadoras são as que adotam IA antes dos concorrentes, assumindo riscos e com o potencial de moldar o mercado e liderar em inovação
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A adoção de inteligência artificial (IA) está se tornando uma questão estratégica para as empresas que buscam manter sua competitividade em um ambiente de mercado dinâmico. Para os executivos, torna-se importante entender e definir claramente como desejam posicionar suas organizações em relação à tecnologia e, com base nisso, começar a estruturar estratégias sólidas que possibilitem – e, idealmente, impulsionam – que esse posicionamento se materialize. A teoria da Difusão da Inovação de Everett Rogers oferece um arcabouço útil e muito conhecido para classificar as empresas em relação ao timing de adoção da inovação, dividindo-as em categorias como inovadores, adotantes iniciais, maioria inicial, maioria tardia e retardatários. Tais classificações foram, então, adotadas, para observação específica da adoção da inteligência artificial.
De modo geral, as empresas inovadoras são aquelas que adotam IA antes de seus concorrentes, assumindo riscos altos, mas com o potencial de moldar o mercado e liderar em inovação. Os adotantes iniciais seguem logo depois, aproveitando-se das lições dos pioneiros para minimizar riscos e aumentar a eficiência. A maioria inicial aguarda até que a tecnologia seja mais madura, adotando-a quando já há exemplos concretos de sucesso, enquanto a maioria tardia espera que a IA se torne um padrão de mercado amplamente aceito, evitando riscos. Finalmente, os retardatários adotam a IA apenas quando se veem forçados pelas exigências do mercado, sem buscar inovação ativa.
Muito mais do que compreender essas categorias, o que realmente é relevante no contexto atual – em que a IA se consolida como uma das principais tecnologias que moldam transformações contínuas – é que os executivos tenham clareza sobre onde desejam posicionar suas empresas. Por mais que, em muitas ocasiões, esse possa ser um resultado não intencional (no qual o posicionamento das empresas é consequência de como elas estão organizadas, e não o contrário) a verdade é que, especialmente no que tange inteligência artificial, devido ao seu potencial disruptivo, é importante uma reflexão consciente por parte dos líderes. Definir onde a empresa deseja estar em relação à tecnologia permitirá que os executivos formulem estratégias efetivas para alcançar esse objetivo
Tabela 1 – Categorias de Adoção da IA
Categoria | Descrição | Benefícios | Riscos |
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Inovadores | Empresas que adotam a IA primeiro, moldam o mercado e assumem maiores riscos. Ex: Google, Tesla. | Capacidade de moldar o mercado, pioneirismo e desenvolvimento de capacidades internas estratégicas. | Alto custo, incerteza quanto aos resultados, complexidade de implementação e mudanças culturais. |
Adotantes Iniciais | Empresas que seguem os inovadores, com menor risco, implementando casos de uso já testados. | Ganhos de eficiência e competitividade com menor risco. | Custo elevado e incerteza no retorno do investimento. |
Maioria Inicial | Empresas que adotam IA após exemplos de sucesso e maturidade tecnológica, focando em eficiência. | Maior previsibilidade no ROI, baseando-se em casos de uso comprovados. | Perda de diferenciação e dependência de fornecedores externos. |
Maioria Tardia | Empresas que adotam IA apenas após a tecnologia se tornar um padrão aceito, focando em otimização de processos. | Segurança no retorno financeiro com poucos riscos. | Perda de oportunidades de inovação e diferenciação. |
Retardatários | Empresas que adotam IA somente quando é necessário para a sobrevivência, correndo o risco de ficarem para trás. | Sobrevivência no mercado. | Ficar atrás dos concorrentes, prejudicando a posição de mercado e dificultando adaptação às novas exigências tecnológicas. |
Evidentemente, cada uma dessas posturas implica diferentes níveis de risco e recompensa, e as empresas precisam de estruturas organizacionais alinhadas para maximizar os benefícios de sua escolha. Em outras palavras, após uma definição ativa sobre posicionamento que se deseja ocupar, ações e adaptações são necessárias para que se viabilize tal objetivo. A tabela acima auxilia o entendimento mais claro sobre cada uma das categorias e suas implicações.
À medida que as empresas definem seu posicionamento estratégico em relação à adoção de IA, essa escolha precisa ser acompanhada por uma série de ações organizacionais que garantam a implementação bem-sucedida da tecnologia. Cada perfil de adoção — seja ele de inovador, adotante inicial, maioria inicial, maioria tardia ou retardatária — implica necessidades e desafios específicos, que exigem adaptações tanto em governança quanto nas operações internas. A seguir, exploramos algumas medidas práticas que as empresas devem considerar ao se alinhar com esses perfis, destacando como os departamentos de compliance, recursos humanos e TI podem colaborar para criar uma estrutura robusta que apoie a estratégia de IA estabelecendo uma articulação clara entre o posicionamento estratégico e as ações concretas que sustentem essa transformação.
Empresas que desejam ser inovadoras no uso de IA podem considerar a preparação de suas operações de maneira robusta e proativa, visto que a adoção precoce da tecnologia envolve riscos. Os departamentos jurídico e de compliance, por exemplo, podem desempenhar um papel importante ao desenvolver frameworks que ajudem a empresa a gerenciar riscos calculados, enquanto buscam caminhos pelas incertezas regulatórias que acompanham tecnologias emergentes. Paralelamente, o departamento de Recursos Humanos pode focar na identificação e desenvolvimento de talentos especializados em IA, antes mesmo que essas competências se tornem amplamente acessíveis no mercado. A empresa, portanto, pode tentar se beneficiar de uma abordagem mais ágil na formação de equipes com expertise em áreas como machine learning, ciência de dados, governança, estratégia e ética de IA.
Além disso, promover uma cultura organizacional que valorize a experimentação e tolere falhas controladas pode ser uma estratégia para empresas que buscam moldar o mercado – em vez de segui-lo. A liderança, nesse contexto, pode encorajar uma abertura ao risco e à inovação contínua. Embora a disposição para enfrentar a complexidade da implementação da IA possa posicionar essas empresas na vanguarda, é sempre importante considerar o equilíbrio entre o potencial de ganho e os riscos envolvidos.
Para os adotantes iniciais, que seguem os inovadores de perto, os riscos podem ser menores, mas ainda são relevantes. Assim como os inovadores, esses adotantes podem se beneficiar de uma abordagem integrada em compliance e gestão de talentos. No entanto, para essas empresas, é especialmente importante que o uso de IA esteja alinhado aos objetivos estratégicos de médio e longo prazo. Esse alinhamento pode justificar os investimentos iniciais em projetos de IA e, por isso, uma colaboração contínua entre as áreas de TI e negócios pode facilitar a identificação de aplicações de IA com impacto direto nas operações.
Estabelecer uma governança sólida, que equilibre inovação com mitigação de riscos, pode ser um diferencial nesse estágio. Com mais informações de mercado disponíveis do que os inovadores, os adotantes iniciais podem desenvolver políticas claras para avaliação e priorização de projetos. Além disso, uma infraestrutura de TI escalável, preparada para integrar as inovações rapidamente, pode ser um fator chave, especialmente nas áreas de negócios onde a IA tem maior potencial de agregar valor.
Para empresas que se posicionam na maioria inicial, uma abordagem mais pragmática pode ser apropriada. Realizar estudos detalhados de retorno sobre o investimento (ROI) e validar as melhores práticas de mercado antes da implementação de IA pode ajudar a minimizar riscos e garantir ganhos mais imediatos. Essas empresas podem preferir adotar uma postura mais cautelosa, gerenciando cuidadosamente a colaboração com fornecedores externos de IA, para garantir suporte técnico adequado sem comprometer a autonomia estratégica. O departamento de Recursos Humanos também desempenha um papel central nesse estágio, garantindo que os funcionários existentes sejam capacitados para operar as novas tecnologias, enquanto novos talentos são contratados, se necessário, para preencher lacunas de competências. A transição para a IA pode ser planejada de forma a manter a empresa competitiva e produtiva, sem grandes disrupções.
No caso das empresas que adotam IA tardiamente, o foco tende a ser na eficiência operacional e na automação de processos estabelecidos. A prioridade, aqui, costuma ser maximizar a produtividade sem provocar disrupções significativas. A implementação de IA pode ser vista como uma oportunidade para otimizar operações já existentes, com investimentos moderados e retornos mais previsíveis. Outro fator importante a ser observado nos adotantes tardios é a relação com fornecedores – uma vez que essas empresas tendem a depender mais de soluções externas e, portanto, precisam balancear a relação custo-benefício.
Por fim, as empresas retardatárias, que adotam IA quando se torna uma necessidade de sobrevivência, podem se concentrar em algumas áreas estratégicas que envolvem monitoramento contínuo do mercado e da concorrência – fundamental para identificar o momento certo de adotar a tecnologia. Uma análise constante de riscos e oportunidades pode permitir reações rápidas quando a pressão do mercado aumentar. Além disso, para estas empresas, fortalecer os diferenciais competitivos já existentes pode ajudá-las a se preparar para reagir com agilidade às mudanças no mercado. E, finalmente, um foco em gerenciamento de riscos, com mapeamento dos impactos potenciais de não adotar a IA, pode auxiliar essas empresas a responder, mesmo que reativamente, às ameaças e oportunidades que surgirem.
Muitas vezes, o posicionamento estratégico das empresas em relação à adoção de novas tecnologias não é uma escolha ativa, mas sim uma consequência de como estão estruturadas. No entanto, quando se trata de IA, é fundamental que as empresas definam conscientemente onde desejam se posicionar, a fim de estruturar as ações necessárias para alcançar seus objetivos com a tecnologia. Ao fazer essa escolha de forma deliberada, os executivos podem preparar suas organizações para lidar com os desafios e maximizar os benefícios que a IA pode trazer, evitando que sua adoção seja algo reativo e improvisado.
A IA, como conceito, é extremamente amplo e engloba uma vasta gama de soluções. Casos de uso como chatbots em atendimento ao cliente já se tornaram comuns, enquanto a utilização de IA generativa para interações com clientes ainda é relativamente nova. Essa distinção é importante para entender como a empresa deve se posicionar. Executivos precisam considerar não apenas a maturidade da tecnologia, mas também o caso de uso específico, ao tomar decisões sobre o grau de inovação ou cautela que desejam adotar.
Ter clareza sobre onde a empresa deseja se posicionar é o caminho para evitar que a organização reaja passivamente às transformações trazidas pela IA – o que pode comprometer sua competitividade no longo prazo. Mesmo que uma abordagem reativa seja escolhida, é importante que isso seja uma decisão estratégica bem informada, e não uma consequência da falta de reflexão sobre o tema. As empresas que conseguirem alinhar seu posicionamento com uma estratégia de adoção bem planejada estarão em melhor posição para capitalizar as oportunidades oferecidas pela IA. Os inovadores assumem riscos elevados e têm a chance de moldar o mercado, mas precisam de uma estrutura robusta para lidar com as incertezas. Os adotantes iniciais, embora menos expostos, ainda enfrentam desafios significativos e precisam de uma governança sólida. A maioria inicial aproveita a segurança dos casos de uso comprovados, mas perde a capacidade de se diferenciar. A maioria tardia foca na eficiência operacional, enquanto os retardatários adotam IA como uma questão de sobrevivência. Neste sentido, cada posição demanda uma postura diferente das empresas e cabe aos executivos definirem, estrategicamente, intencionalmente e proativamente, o caminho a ser seguido.
Natália Marroni Borges é pesquisadora no Think Tank da ABES, Pesquisadora membro do grupo IEA Future Lab (vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS), Pós-doutoranda em Inteligência Artificial e Foresight e professora na UFRGS. As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, os posicionamentos da Associação.
*Artigo originalmente publicado no ITForum em 11 de novembro de 2024