O BNDES, que oferecia importante apoio, descontinuou as linhas de crédito destinadas ao setor de tecnologia
Jamile Sabatini Marques*
Há uma grande transformação ocorrendo na estrutura produtiva de diversos setores relacionados à economia. Nesse cenário, a relativa redução da importância das indústrias tradicionais é concomitante à ascensão de uma economia baseada em serviços, principalmente relacionados à tecnologia. Nos dias atuais, não podemos debater estratégias para o desenvolvimento econômico e social de uma nação sem mencionar Inteligência Artificial, big data, blockchain, computação quântica e realidade aumentada, por exemplo. Todos estão intrinsicamente ligados à capacidade de um país de formar e empregar profissionais de Tecnologia da Informação – e isso inclui o desenvolvimento de uma educação moderna, não apenas adaptada às novidades, mas sim inovadora em si própria, que incentive os jovens a seguirem nesse caminho.
De acordo com o último estudo “Mercado Brasileiro de Software e Serviços”, elaborado pela ABES em parceria com a IDC e divulgado em 2019, o Brasil está em 9º lugar no ranking mundial de investimentos em TI com US$ 47 bilhões. Além desse saldo positivo, o setor registrou, em 2018, um crescimento de 9,8%, mais que o dobro previsto (4,1%) superior ao crescimento de 2017 para 2018 (4,5%) e acima da média global (6,7%).
Considerando os dois mil associados da ABES, é perceptível a discrepância entre a quantidade de empresas de pequeno porte e a de grande porte – enquanto 6% das empresas faturam acima de R$ 50 milhões e são consideradas grandes, 77% têm faturamento de até R$ 3,6, milhões, sendo categorizadas como micro ou pequenas, demonstrando que o setor é formado majoritariamente por empresas desses portes. Isso significa que apesar do avanço e resultados positivos conquistados, a área ainda enfrenta diversas restrições ao crescimento, uma vez que o acesso a linhas de crédito com prazo e custo adequados tem sido um grande entrave para a criação e desenvolvimento de startups e empresas.
Em 2016, a Pesquisa ABES de Acesso a Financiamento, realizada a partir dos dados de 184 empresas brasileiras, apontou que os principais problemas de operação das empresas e, principalmente, PMEs com os bancos comerciais eram o alto custo do financiamento oferecido e a impossibilidade dos requerentes oferecerem garantias reais, já que o balanço das empresas é constituído majoritariamente de ativos intangíveis – isso é algo que ocorre muito frequentemente não apenas no setor de TI, mas também no de telecomunicações, com os pequenos provedores de internet. É interessante apontar que no mesmo ano em que a pesquisa foi elaborada, um dos principais programas de fomento à inovação, o BNDES Prosoft, foi encerrado, deixando especialmente as pequenas e médias empresas órfãs de oportunidades.
Essas empresas estão disputando espaço em um ambiente extremamente competitivo e benéfico para a economia, onde existe, pelo menos na teoria, mercado para diversos tipos de empreendimentos. No entanto, a falta de recursos e as linhas com pouca atratividade, principalmente em se tratando de pequenas empresas ou startups, têm afetado o setor, com implicações importantes na sua estrutura concorrencial. É notória a importância de manter, e aprimorar, linhas de investimentos e fomento oferecidas pelo governo às empresas, pois dessa forma geramos mais competitividade econômica e aceleramos o processo de transformação nas mais diferentes áreas, além de estimularmos o crescimento dessas empresas, que com suporte se tornam saudáveis financeiramente e capazes de continuar trazendo soluções inovadoras por si próprias.
Historicamente, o BNDES e a FINEP apoiaram o setor, com recursos de longo prazo e flexibilização de garantias. O banco de desenvolvimento econômico e agência de financiamento vem sendo uma das principais fontes de financiamento público brasileiro para as empresas de TI. Essa pesquisa realizada pela ABES apontou que 40% das empresas utilizaram estas fontes para obter investimento. Contudo, apesar da sua importância para o pequeno empreendedor, o BNDES encerrou uma das suas principais linhas de financiamento oferecidas, o BNDES Prosoft, sinalizando a criação do BNDES Direto 10, que preencheria a lacuna para as pequenas e médias empresas do setor.
Lançado no primeiro semestre de 2019, o BNDES Direto 10 foi comemorado por diversas empresas, empreendedores e Associações de diferentes setores, inclusive pelo tecnológico, e proporcionou aos interessados a possibilidade de obter financiamentos de valores menores, entre R$ 1 e R$ 10 milhões, além de simplificar o processo de garantias por meio de um fundo próprio já existente.
No entanto, após uma reunião em 14 de novembro de 2019, menos de um ano do lançamento do BNDES Direto 10, o website da instituição alertava que o banco de desenvolvimento optou por descontinuar o produto e suspendeu o protocolo de novas operações, medida que implicará em uma redução significativa da disponibilidade de capital para o setor, que é essencial na economia.
Parte do mercado de tecnologia, o setor de software é transversal e de extrema importância para o desenvolvimento econômico brasileiro em um contexto de cada vez maior digitalização. Hoje, o principal banco de fomento brasileiro não possui as ferramentas necessárias para apoiar o crescimento, a competitividade e o ambiente concorrencial do setor. As grandes empresas possuem acesso a recursos de outras fontes, mas o restante do mercado, além de enfrentar a escassez de mão-de-obra qualificada, não possui acesso ao financiamento de longo prazo e com garantias que estejam compatíveis com a era do conhecimento. Os países competitivos estão fortalecendo a tecnologia e inovação, e o Brasil precisa seguir esta mesma linha caso não queira perder a relevância conquistada ou até mesmo se tornar um país ultrapassado.
* Por Jamile Sabatini Marques, diretora de Inovação e Fomento da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software)
** Artigo originalmente publicado no periódico Valor Econômico, em janeiro de 2020.