Nas últimas décadas, pesquisadores e instituições acadêmicas têm alertado sobre questões críticas que impactam profundamente a sociedade
por ABES – 11:00 am – 17 de março de 2025

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Falo com base na minha trajetória, nas instituições em que atuei e nas parcerias que estabeleci: os sinais estavam lá, e nós avisamos.
Advertimos sobre a ascensão do Primeiro Comando da Capital (PCC) enquanto autoridades de segurança insistiam que a facção era superestimada – muito antes dos atentados de 2006. Chamamos a atenção para o risco iminente de uma pandemia e suas consequências sociais, quando vozes influentes minimizavam essa possibilidade – muito antes da COVID-19. Advertimos sobre o aquecimento global e os impactos dos eventos climáticos extremos, enquanto poucos no governo priorizavam o tema – muito antes das enchentes devastadoras e das ondas de calor que assolam grandes centros urbanos brasileiros.
Ainda assim, nossos alertas não foram ouvidos. Poderíamos apontar culpados, criticar o crescimento do anti-intelectualismo, da negligência e da resistência em reconhecer evidências científicas. Porém, também é necessário refletir do lado acadêmico: por que, apesar de todos os esforços, nossas vozes não foram suficientemente ouvidas?
Em resposta acadêmica: nossas vozes não foram ouvidas porque acreditamos que nossos argumentos são suficientes – que tudo o que autoridades, influentes e governantes precisam é serem esclarecidos. Há séculos, confiamos que podemos evoluir por meio da educação e da ciência, combatendo a ignorância e a superstição. Por isso, julgamos que a razão é a ferramenta primordial para compreender o mundo e resolver problemas científicos, sociais e morais.
O conhecimento baseado em evidências é, sem dúvida, essencial, e serve como ponto de partida indispensável para qualquer campo do saber. Ele fornece as bases sólidas sobre as quais construímos nossas compreensões e práticas. Contudo, especialmente no Brasil, é necessário um catalisador emocional para provocar, conectar ideias, explorar novas perspectivas e, assim, desenvolver compreensões mais profundas sobre o mundo e as consequências das ações e inações.
Aqui, o nosso principal catalisador tem sido o afeto e/ou a violência.
O factual, por si só, não é suficiente. A transferência de informação, portanto, não se resume à simples transmissão de informações válidas. Ela envolve a habilidade de fazer o interlocutor se importar ou temer.
Ao analisar dados relacionados a problemas sociais, informações podem ser apresentadas por meio de recursos visuais, mapas e infográficos, tornando as questões mais tangíveis e compreensíveis para o público em geral. Por exemplo, mostrar como a mortalidade se distribui em diferentes áreas de uma cidade, a evolução ao longo dos anos e as causas das concentrações de mortes pode sensibilizar as pessoas sobre o perfil das vítimas e os riscos aos grupos mais vulneráveis.
Mas, isso pode não ser o suficiente. Não podemos presumir que analisar, comprovar e mostrar os condicionantes de um problema social impliquem em empatia, mesmo quando esse problema envolve mortes evitáveis causadas por facções criminosas, doenças ou fenômenos climáticos.
Hoje, existem novas formas de sermos ouvidos. Campanhas podem ser disseminadas por meio de mídias sociais, sites e outras plataformas digitais, atingindo públicos de maneira personalizada. Por exemplo, uma campanha sobre violências pode ser adaptada para diferentes faixas etárias, sensibilizando os jovens de uma forma e os adultos de outra.
Tecnologias como aplicativos móveis e plataformas online podem ser usadas para difundir os saberes acadêmicos em tempo real sobre questões sociais. Tecnologias de realidade aumentada ou realidade virtual podem criar experiências imersivas, colocando as pessoas em situações análogas às vivenciadas por aqueles que enfrentam os mais graves problemas sociais. A ciência de dados pode ser utilizada para criar ferramentas que ofereçam suporte e orientação sobre temas sociais críticos, como direitos humanos, saúde, meio ambiente e cidadania. No entanto, a desigualdade social, educacional e digital ainda se impõe sobre essas alternativas.
Diante disso, enfrentamos uma realidade em que a tecnologia supre apenas parcialmente as prementes necessidades de comunicação, enquanto discursos emocionais predominam na difusão do conhecimento e o ódio se sobrepõe ao diálogo erudito. Além do mais, o alcance restrito da comunicação acadêmica também contribui, em grande medida, para a formação de uma geração que não enxerga o espaço acadêmico como digno de atenção.
Uma geração que cada vez mais tem aversão à ideia de dedicar seu tempo à graduação, mestrado, doutorado e afins. Jovens que acreditam que a academia e a ciência podem ser substituídas por trajetórias e soluções mais rápidas.
E há certa razão nesta crença! Existe o alto custo da educação superior, levando os jovens a questionarem se o investimento valerá a pena em termos de retorno financeiro no futuro. Para muitos, a perspectiva de começar a trabalhar o mais cedo possível ou de ganhar experiência prática parece mais atraente do que investir anos em um curso universitário.
O ambiente digital, onde o aprendizado informal, a troca de experiências e o acesso a conteúdos são abundantes, faz com que muitos jovens sintam que podem aprender por conta própria. A vontade de ser independente e construir algo próprio, sem a necessidade de uma formação acadêmica convencional, está mais forte do que nunca. A transformação do mercado de trabalho, com profissões emergentes, tem levado muitos jovens a buscar carreiras alternativas, em que a universidade não é um requisito fundamental.
Além disso, muitos jovens percebem a universidade como uma instituição desatualizada, distante da realidade do mercado de trabalho ou desconectada das necessidades sociais e tecnológicas contemporâneas. A academia, percebida como um espaço conservador, gera desinteresse. Para muitos, ela é vista como um espaço focado em teoria e ideologia, enquanto o mercado de trabalho exige habilidades práticas e imediatas.
Não sei se serei ouvido. Contudo, preciso fazer um outro aviso: a educação superior ainda desempenha um papel fundamental. Por exemplo, na formação de cidadãos críticos.
Somente esses cidadãos perceberão que, apesar de todas as questões legítimas que podem ser levantadas sobre a academia e os acadêmicos, o capital cultural e cognitivo obtido na universidade faz toda a diferença – e que, geralmente, os jovens de famílias mais ricas estão menos dispostos a abrir mão da universidade e mais predispostos a ouvir os resultados baseados em evidências do que os jovens de famílias mais pobres.
Não sei se na academia o conhecimento e a emoção devem caminhar juntos. Compreendo que nem sempre é o caso. Apesar de tudo, quando falamos dela para fora, o distanciamento entre as discussões acadêmicas e os problemas reais da sociedade pode ser reduzido ao conectar emoções aos conteúdos estudados. É essa integração entre razão e afeto que pode levar a uma compreensão mais profunda e, quem sabe, a mudanças mais efetivas em nossa sociedade, em especial, violenta.

Marcelo Batista Nery é pesquisador no Think Tank da ABES e na Cátedra Oscar Sala do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP), coordenador de Transferência de Tecnologia e Head do Centro Colaborador da OPAS/OMS (BRA-61) do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, os posicionamentos da Associação.
*Artigo originalmente publicado no IT Forum em 17 de março de 2025