Artigo por Andriei Gutierrez, Presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES)
Virou senso comum afirmar que “tal regulação vai mirar as big techs e acabar com o faroeste digital”. Nesse cenário, ouvimos propostas regulatórias frequentemente tratadas como sinônimos: IA, plataformas digitais, redes sociais, responsabilização na internet. Alguns chegam a propor uma solução universal, um novo código civil para o mundo digital, sempre justificando o combate a um eventual “inimigo comum”.
No entanto, o debate tem sido superficial, carecendo de distinções claras entre os objetos regulados e seus efeitos entre diferentes atores. Essa falta de clareza atinge não só o grupo de empresas que se convencionou a chamar de “big techs” – um conceito que, por si só, é problemático -, mas também as empresas e usuários brasileiros.
Não se trata de defender a impunidade ou a ausência de regras no ambiente digital. Pelo contrário, o objetivo é qualificar a discussão e incentivar maior discernimento sobre os temas e seus impactos na sociedade brasileira, independente de inclinações ideológicas.
Sem pretender esgotar o assunto, destaco quatro áreas que, embora correlatas, exigem abordagens distintas.
As redes sociais, geralmente administradas por plataformas de mídias sociais, estão no cerne do debate sobre fake news e o Projeto de Lei (PL) 2630 de 2020. Esse projeto, que não avançou na Câmara, abrangia também mensageria e buscadores. Apesar da relevância, é sintomática a ausência de consenso ente os parlamentares e entre a sociedade brasileira sobre uma solução sobre, se, como e qual órgão regularia a chamada desinformação sem prejudicar a liberdade de expressão.
O PL 2768 de 2022, proposto pelo deputado João Maia, busca regular plataformas digitais, delegando a supervisão à Anatel. Contudo, o conceito jurídico de “plataforma digital” é vago, abrangendo de marketplaces e redes sociais, a sistemas operacionais e serviços de computação em nuvem. No Brasil, mais de 500 controladores de plataformas seriam afetados, incluindo pequenas e médias empresas, evidenciando a dificuldade de definir e implementar regulamentos genéricos sem causar profundos impactos no mercado. Além disso, formadores de políticas públicas também têm focado no aspecto concorrencial, visando evitar eventuais abusos de poder econômico por grandes plataformas, com recomendações do Ministério da Fazenda para fortalecer o Cade e combater possíveis práticas monopolistas.
O debate sobre Inteligência Artificial (IA) ganhou força em 2023, impulsionado pelo ChatGPT. O PL 2338, aprovado pelo Senado e agora na Câmara, é abrangente e imporia altos custos regulatórios a organizações que utilizarem IA. A complexidade do tema exige cuidado para que a regulação não limite avanços tecnológicos ou sobrecarregue as organizações brasileiras, muitas delas já reguladas por reguladores setoriais ou temáticos (como a ANPD, o CADE, a Senacon, Ministério do Trabalho…).
Em outra frente, o recente julgamento do STF sobre responsabilização por conteúdos postados por terceiros na internet trouxe mudanças significativas que vão impactar o uso da internet. O Marco Civil da Internet fala genericamente em “provedores de aplicações”, sem diferenciar portais, aplicativos, plataformas ou redes sociais. Com a decisão do STF, esses provedores podem ser responsabilizados por atos ilícitos de terceiros mediantes simples notificação extrajudicial, sem necessidade de decisão judicial, e introduzindo novos conceitos como o “dever de cuidado”. Essa abrangência deve levar organizações com portais e aplicações a adotar posturas conservadoras, limitando a liberdade de comunicação para evitar prejuízos jurídicos, além de criar altos custos de compliance para empresas que não têm modelos de negócios focados em mídia social.
O debate sobre regulação digital precisa de sobriedade e clareza de legisladores e da sociedade. Embora os quatro eixos destacados aqui sejam relevantes e frequentemente confundidos, eles não esgotam os desafios do universo digital. No entanto, representam áreas onde a falta de distinção entre objetos e atores pode gerar confusão e impactos indesejados.
É crucial que a discussão seja qualificada, analisando cada tema separadamente e considerando seus efeitos sobre diferentes setores e atores. Somente com um debate bem fundamentado poderemos construir marcos regulatórios que promovam inovação, protejam os cidadãos e garantam o avanço na inovação digital de modo competitivo e justo.

Andriei Gutierrez, Presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES)
*Artigo originalmente publicado no Guia do PC em 16 de dezembro de 2025

