Brasil investe R$ 23 bi em quatro anos para consolidar soberania digital, ética e inclusão social na era da IA
Por ABES | 10:00 am – 07 de agosto de 2025

Imagem: Shutterstock
Na semana em que o governo federal divulgou a versão final do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), uma notícia ganhou destaque: o Brasil projeta investir até R$23 bilhões ao longo de quatro anos para consolidar sua posição como protagonista global no desenvolvimento e aplicação responsável da IA. Sob coordenação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com apoio técnico do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o documento propõe uma agenda ambiciosa que une inovação tecnológica, soberania digital e compromissos com ética e inclusão social.
Esse anúncio ocorre em um contexto global de corrida tecnológica acelerada, em que a inteligência artificial se afirma como a força transformadora mais relevante da nova economia. O PBIA se propõe não apenas a acompanhar essa transição, mas a moldá-la segundo valores brasileiros, com ações que vão da criação de infraestrutura soberana – como a “nuvem nacional” – ao fomento de talentos e soluções orientadas ao bem-estar social.
O plano reconhece que a inteligência artificial não é uma inovação isolada, mas o desdobramento de ondas anteriores de transformação digital. Desde o início da computação e da internet até a recente popularização dos modelos generativos, a IA avançou de forma exponencial, impactando cadeias produtivas, mercados de trabalho e modos de vida.
No Brasil, essa transformação encontra tanto oportunidades quanto barreiras estruturais. Como pontos fortes, o país dispõe de:
- Uma matriz energética majoritariamente renovável, que confere vantagem competitiva para data centers de baixo impacto ambiental;
- Um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, cujos dados podem subsidiar aplicações inovadoras;
- Um ecossistema de pesquisa científica em expansão, com centros de excelência e experiência acumulada em ciência de dados.
Por outro lado, há gargalos persistentes:
- Déficit de infraestrutura computacional de ponta, como supercomputadores especializados;
- Desigualdades regionais no acesso à internet e à educação tecnológica;
- Capacidade limitada de converter a produção acadêmica em inovação aplicada.
O PBIA surge, portanto, como tentativa de articular respostas coordenadas a esses desafios, transformando potencial latente em desenvolvimento econômico e social inclusivo. O PBIA está estruturado em cinco eixos fundamentais que abrangem áreas estratégicas para sua implementação eficaz:
1) Infraestrutura e desenvolvimento da IA: A implementação de infraestrutura tecnológica robusta é condição essencial para o sucesso do PBIA. Destaca-se especialmente a proposta de aquisição de um supercomputador, um dos cinco mais potentes do mundo, que visa ampliar significativamente a capacidade nacional de processamento e realização de pesquisas avançadas em IA.
2) Difusão, formação e capacitação em IA: O eixo dedicado à formação e capacitação aborda a carência crítica de mão de obra especializada em IA no Brasil. O plano prevê ampliação e aprimoramento dos programas educacionais e capacitações profissionais em diversos níveis, desde a educação básica até a pós-graduação.
3) IA para melhoria dos serviços públicos: Este eixo visa potencializar a eficiência e qualidade dos serviços públicos por meio de aplicações concretas de IA, como a automação de processos administrativos, análise preditiva para prevenção e planejamento, e personalização dos serviços ao cidadão.
4) IA para inovação empresarial: A aplicação de IA como vetor de inovação empresarial, especialmente entre pequenas e médias empresas (PMEs), é central para aumentar a produtividade e competitividade nacional. Este eixo prevê a criação de ambientes favoráveis ao empreendedorismo digital, acesso facilitado ao crédito e apoio regulatório.
5) Apoio ao processo regulatório e de governança da IA: A governança ética e regulatória é vital para assegurar o uso seguro, ético e transparente da IA. Este eixo prevê a criação e implementação de marcos regulatórios robustos e ágeis, que acompanhem a evolução tecnológica sem inibir investimentos.
Do ponto de vista econômico, espera-se um aumento substancial da competitividade brasileira no mercado global, especialmente por meio do fortalecimento das PMEs. No entanto, a efetivação desse potencial dependerá da capacidade do país em enfrentar desafios estruturais, como desigualdades regionais, infraestrutura inadequada e capacitação profissional insuficiente. Ademais, a eficácia estratégica do plano requer monitoramento constante, avaliações periódicas e ajustes que considerem as rápidas evoluções tecnológicas e as demandas específicas da sociedade.
O PBIA representa um marco inédito ao propor um investimento expressivo e metas ambiciosas para consolidar a soberania tecnológica nacional. Contudo, há uma distância considerável entre a formulação estratégica e a efetiva execução das ações, sobretudo no que diz respeito à infraestrutura tecnológica, que exige capacidades instaladas ainda incipientes no Brasil. Além disso, embora o plano preveja ampla capacitação profissional, os resultados dependerão da articulação entre diferentes entes federativos, universidades e empresas privadas, o que historicamente tem se mostrado desafiador.
Outro ponto crítico refere-se à governança regulatória. A criação de marcos legais ágeis e eficazes requer conciliar a necessidade de proteger direitos individuais e assegurar transparência com a urgência de não travar a inovação. A experiência internacional demonstra que modelos regulatórios excessivamente restritivos podem gerar fuga de talentos e de investimentos.
Por fim, é importante ressaltar que a proposta de desenvolvimento de uma “nuvem soberana” e aquisição de supercomputadores, embora relevantes, demandarão não apenas recursos financeiros vultosos, mas também estratégias robustas de manutenção, atualização tecnológica e segurança cibernética, sob pena de se tornarem soluções subutilizadas ou defasadas em curto prazo.
O PBIA sinaliza uma mudança de paradigma na estratégia nacional de desenvolvimento, ao associar inovação tecnológica a soberania digital, inclusão social e compromisso ético. Sua implementação poderá consolidar o Brasil como referência na América Latina, estimulando ecossistemas de inovação e fomentando novos mercados e competências. No entanto, a realização plena de seus objetivos dependerá da superação dos desafios históricos do país, como desigualdades regionais, limitações na infraestrutura e déficit de profissionais especializados.
É fundamental que o governo federal, em articulação com estados, universidades, empresas e sociedade civil, adote mecanismos de monitoramento e avaliação permanentes, de forma a ajustar o plano às mudanças rápidas do cenário tecnológico global. Com compromisso político, investimento consistente e uma governança eficaz, o PBIA pode efetivamente transformar potencial em resultados concretos, garantindo que a inteligência artificial seja um vetor de prosperidade compartilhada e desenvolvimento sustentável.

Darci de Borba é pesquisador do Think Tank da ABES, técnico de planejamento e pesquisa no Ipea, Doutorando em Administração na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Mestre em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, os posicionamentos da Associação.
Referências
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. (2025). IA para o bem de todos: Plano Brasileiro de Inteligência Artificial. Brasília: MCTI e CGEE. ISBN 978-65-5775-097-1.
*Artigo originalmente publicado no IT Forum em 7 de agosto de 2025