IA está redefinindo a agilidade corporativa, mas o verdadeiro diferencial competitivo continuará sendo o discernimento humano

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Recentemente, participei em São Paulo do Horasis Meeting Brasil 2025. O encontro, que é um dos principais fóruns mundiais de liderança e inovação, reuniu neste ano mais de mil representantes de governos, empresas e organizações internacionais, que discutiram como a Inteligência Artificial (IA) está remodelando nossas economias e a própria maneira de pensar o futuro. Entre as ideias que emergiram das conversas, uma se tornou central para mim: a IA não substitui quem sabe utilizá-la.
Para muitas pessoas, a discussão sobre o papel da IA no universo corporativo, nas empresas e nos governos já está batida, porque foi reduzida à substituição de tarefas humanas por máquinas. O verdadeiro desafio, no entanto, está em integrar tecnologia e pensamento humano de forma estratégica e ética, usando os algoritmos para potencializar decisões, não para automatizar sem critério. Em outras palavras, ser ágil, nesse novo contexto, não significa apenas responder rapidamente às mudanças, mas aprender a responder com inteligência — entendendo contextos, conectando informações e antecipando impactos. Não é um mero toma-lá-dá-cá, uma mera substituição.
O Estudo “Transformação Empresarial: Inovação Tecnológica, seu Uso e os Impactos na Indústria Brasileira”, realizado pela Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) em parceria com o IDC, analisou as tendências do mercado brasileiro de software e serviços de TI, e mostra que 77% das empresas pretendem aumentar seus investimentos em IA até 2026, com foco em análise de dados, automação de processos e atendimento digital. No entanto, apenas 38% afirmam ter uma estratégia clara de capacitação e governança de dados. Trago o dado porque essa lacuna é reveladora, uma vez que a tecnologia está avançando mais rápido do que nossa capacidade de compreendê-la e, principalmente, de prepararmos as pessoas para operá-la com consciência.
Essa constatação permeou justamente as discussões do painel “AI as Innovation’s Co-Creator”, do qual participei. Falamos sobre o uso da IA como uma aliada na reconstrução do diálogo entre cidadãos, governos e organizações — não como substituta da escuta humana, mas como ferramenta de amplificação. A IA, quando aplicada de forma responsável, pode transformar o “ruído” dos dados dispersos em conhecimento acionável, identificando padrões de comportamento, necessidades latentes e oportunidades de melhoria que o olhar humano isolado dificilmente captaria.
Ao implementar uma IA capaz de analisar milhares de manifestações livres dos cidadãos – desde posts em redes sociais a reclamações em canais abertos – os governos podem fazer um mapeamento preciso e imparcial das reais necessidades e do sentimento da população. O algoritmo é capaz de processar esse “caos” de informações, identificando padrões, urgências e demandas que, de outra forma, passariam despercebidas. Com a inteligência artificial, podemos escutar verdadeiramente as cidades, identificar que um bairro sofre mais com a falta de iluminação pública do que com o lixo na rua, ou que a demanda por uma praça de lazer é maior do que por um novo semáforo, por exemplo. Isso é empoderamento do cidadão e eficiência administrativa. A tecnologia aplicada nesse cenário nos permitiria ouvir sem conduzir, entendendo o problema em sua essência, sem desviá-lo para um lugar diferente.
Dessa forma, a IA deixa de ser uma ferramenta burocrática e se torna uma ponte de diálogo genuíno, transformando a voz dispersa da população em um mapa de ações claras e prioritárias para os gestores públicos.
Entretanto, o valor da tecnologia não está na quantidade de dados que processa, mas na qualidade das perguntas que fazemos a ela. Algoritmos são eficientes em reconhecer correlações, mas não compreendem o porquê das coisas. Essa é uma competência exclusivamente humana — e é nela que reside o verdadeiro diferencial competitivo. A capacidade de interpretar contextos, ponderar consequências e decidir com propósito será o que distinguirá as organizações realmente inovadoras das que apenas adotam novas ferramentas.
A agilidade corporativa do futuro não será apenas técnica, mas cognitiva e cultural. Para acompanhar as mudanças, as empresas precisarão desenvolver lideranças preparadas para pensar com a tecnologia, e não apenas sobre ela. Isso exige investimento em educação digital, diversidade de pensamento e construção de ambientes que estimulem a experimentação responsável.
Segundo o mesmo estudo da ABES, o mercado brasileiro de software e serviços deve crescer cerca de 11% em 2025, impulsionado pela digitalização dos negócios e pela expansão de soluções baseadas em IA. O país tem avançado de forma significativa, mas o próximo passo é consolidar uma cultura digital que seja capaz de unir eficiência e empatia, precisão e propósito.
A IA pode prever o que vem a seguir — mas somente o ser humano é capaz de decidir o que deve vir a seguir. Quando a máquina aprende, cabe a nós pensar melhor: com mais ética, mais curiosidade e mais consciência de que cada avanço tecnológico é, antes de tudo, uma oportunidade de reafirmar o valor da inteligência humana.

Maria Luiza Reis é conselheira da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES).
*Artigo originalmente publicado no IT Forum em 13 de novembro de 2025


