Eduardo Felipe Matias
Os grandes desafios socioambientais da atualidade não serão vencidos sem o envolvimento do setor privado, que tem começado a fazer a sua parte ao levar em conta princípios ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) em suas atividades e em seus investimentos. Nesse contexto, merece destaque uma espécie de iniciativa privada diretamente ligada à ideia de sustentabilidade: os chamados negócios de impacto.
Estes são empresas, quase sempre pequenas ou médias, cujos produtos ou serviços geram externalidades positivas, beneficiando a sociedade e o planeta. Têm fins lucrativos e, por isso, diferem das entidades filantrópicas. Além disso, o impacto deve ser resultado de seu escopo principal, ou seja, daquele que origina suas receitas – não se confundindo com ações de responsabilidade social ou ambiental que podem ser realizadas por qualquer entidade de forma pontual. Essa distinção leva esse modelo de negócio a compor um setor que, por reunir aspectos do 2º setor (o privado tradicional) e do 3º (o das ONGs), é apelidado de 2,5 e tem crescido bastante no Brasil – mapeamento divulgado pelo Pipe.Labo no ano passado contabilizou 1300 empresas nacionais que se declaram negócios de impacto, aumento de quase 30% em relação ao ano anterior.
É fácil entender esse crescimento. Esses negócios costumam ser imbuídos do propósito de resolver algum problema social ou ambiental – o que não falta no País. Quanto maior a questão, maior a perspectiva de faturar com sua resposta.
Muitos desses desafios são enormes, o que pede que as inovações destinadas a os superar sejam replicáveis e escaláveis. Esta é uma característica das startups, o que faz com que vários negócios de impacto se enquadrem como tal. E, como essa escalabilidade muitas vezes depende da aplicação de novas tecnologias, boa parte dessas startups de impacto se baseia em avanços científicos em áreas como biotecnologia, inteligência artificial, big data ou internet das coisas (IoT), sendo assim classificadas como deep techs – segmento que atraiu cerca de 80 bilhões de dólares em investimentos globais de venture capital em 2020.
De quais questões os negócios de impacto se dispõem a tratar? É frequente que, ao definirem sua missão, eles a vinculem a algum dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de metas definidas pela Organização das Nações Unidas e que constituem uma agenda mundial a ser implementada até 2030.
Para serem atingidos, objetivos como “Fome zero” (ODS número 2) e “Consumo e produção sustentáveis” (ODS 12) precisarão contar não apenas com uma profunda mudança de hábitos da sociedade, mas também com um certo empurrão tecnológico. No campo privado, isso passa pela existência de empresas capazes de atuar com mínimo impacto ambiental, limitando a utilização de recursos naturais e a geração de resíduos – genericamente conhecidas como cleantechs ou greentechs. E abre espaço para diversos modelos de negócio destinados a aumentar a eficiência de determinados processos e reduzir desperdícios em setores específicos, como é o caso das FoodTechs ou das AgTechs que, ao criarem novas fontes de proteínas, prolongarem a preservação de alimentos perecíveis, utilizarem drones e sensores para aumentar a precisão na agricultura, construírem fazendas verticais usando sistemas de hidroponia ou aeroponia, rastrearem e certificarem cadeias de suprimento por meio de blockchain, entre outras ideias, contribuem para um mundo mais sustentável.
Muitas dessas empresas colaboram para combater as mudanças climáticas ao reduzirem emissões relacionadas a mudanças no uso da terra, por exemplo. Com isso, juntam-se, na categoria das climate techs, àquelas com foco específico na ação contra o aquecimento global (ODS 13), estreitamente relacionada à meta de prover “Energia limpa e acessível” (ODS 7), o que pode ser feito por meio de redes elétricas inteligentes (smart grids), baterias mais eficazes, prédios com melhor isolamento térmico, captura e armazenagem de carbono ou a exploração do hidrogênio como combustível.
Tudo o que foi dito até agora indicaria que essas startups de impacto teriam todos os incentivos para proliferar e todos os motivos para alcançar o sucesso. No entanto, os projetos de muitas delas têm caráter disruptivo, demandando gastos consideráveis em pesquisa e desenvolvimento e quase nunca sendo rapidamente comercializáveis – o que pode afugentar investidores privados.
Dessa forma, não devemos esperar que floresçam sem um ecossistema favorável, em que possam contar com o apoio de diferentes atores, como incubadoras, aceleradoras e corporate ventures, e com sistemas de financiamento pelo Estado. Este último pode, ainda, estabelecer sandboxes regulatórios, criando condições propícias para o surgimento de produtos e serviços inovadores, ou simplificar as licitações públicas, usando seu poder de compra para que estes ganhem escala – dois pontos que integram o Marco Legal das Startups adotado pelo Brasil um ano atrás. Dado o potencial desse tipo de negócios e as soluções que eles podem trazer, é fundamental que sejam estimulados por meio de novas políticas públicas e ações privadas.
Eduardo Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, e é sócio da área empresarial de Elias, Matias Advogados e líder do Comitê de Startups da ABES. (LinkedIn: Eduardo Felipe Matias | LinkedIn)
*Artigo publicado originalmente na edição de agosto de 2022 da revista Época Negócios, disponível aqui: Grandes desafios socioambientais não serão vencidos sem o envolvimento do setor privado – Época Negócios | Colunas (globo.com)