Especialista na na área jurídica analisa a movimentação entorno à possível reforma tributária que pode beneficiar ao setor de TI
Por Manoel Antonio dos Santos, diretor jurídico da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software)
Numa tarde dessas, na sede da ABES – entidade representativa do setor de software e serviços complementares –, enquanto conversávamos sobre amenidades e saboreávamos um café com bolo, ouvi uma frase sintomática de um empresário do setor de TI que estava entre nós: “Manoel, estou impressionado! Todos os meus amigos do setor de TI estão ‘enrolados’ e com patrimônio pessoal em risco, por conta de conflitos tributários envolvendo suas empresas!”, disse o empresário.
No entanto, esses conflitos não são um privilégio do nosso setor. O setor químico-farmacêutico, a agroindústria, o mercado financeiro, as mineradoras, todos têm os seus fantasmas tributários para administrar. Um ambiente desse tipo é terreno fértil para os escritórios de advocacia e para as ‘big four’, nomenclatura utilizada para se referir às quatro maiores empresas contábeis especializadas em auditoria e consultoria do mundo (EY, PwC, Deloitte e KPMG).
Presto consultoria jurídica para outra empresa distribuidora de software, fundada há mais de trinta anos, que não possui atraso algum no recolhimento de tributos e contribuições previdenciárias. O lucro apurado em 2018 foi superior a 60% do patrimônio líquido. A pedidos de um investidor interessado em adquiri-la, a empresa acaba de passar por um processo de ‘due diligence’, serviço confiado à uma dessas companhias de auditoria e consultoria que atuam no mundo todo.
Foi desesperador o quadro apresentado no relatório final do Tax Audit e os montantes dos riscos estimados ali apontados pela empresa contábil. De acordo com a auditoria, se confirmado o risco tributário estimado, o investidor iria consumir o lucro anual de 13 anos para se recuperar das perdas. É provável que os auditores tenham superestimado os riscos encontrados. No entanto, é fato que o relatório da empresa de auditoria continha erros inadmissíveis para esse tipo de trabalho.
Essas falhas devem ser creditadas principalmente às dificuldades de compreender a complexidade da matriz tributária suportada pelo setor de TI. Mesmo as empresas especializadas em auditoria e consultoria contábil/fiscal não conhecem com detalhes as modalidades, bases de cálculo e forma de apuração dos tributos pagos sobre as receitas dessas empresas.
Para mitigar esses riscos (e os custos deles resultantes) os empresários, particularmente aqueles do setor de TI, canalizaram sua esperança numa possível reforma Tributária e, finalmente, o Congresso Nacional tem se movimentado nessa direção.
Porém, ao que parece, mais uma vez as expectativas vão se esvair. O projeto defendido pelo Deputado Luiz Carlos Hauly pouco ultrapassa a barreira de uma singela Carta de Princípios. Já a proposta de Emenda Constitucional n. º 45 (PEC-45), encabeçada pelo Deputado Baleia Rossi (Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi) e outros, propõe um sistema complexo em si mesmo e acrescenta à Constituição um novo artigo, 152-A, propondo que:
- “Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços, que será uniforme em todo o território nacional, cabendo à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exercer sua competência exclusivamente por meio da alteração de suas alíquotas.
- O imposto incidirá sobre bens; sobre serviços; sobre os intangíveis; sobre a cessão de direitos; sobre o licenciamento de direitos; e até mesmo sobre a locação de bens; sobre as importações de bens, tangíveis e intangíveis, serviços e direitos;
- Será não-cumulativo, compensando-se o imposto devido em cada operação com aquele incidente nas etapas anteriores;
- Terá alíquota uniforme para todos os bens, tangíveis e intangíveis, serviços e direitos, podendo variar entre Estados, Distrito Federal e Municípios.
- A alíquota do imposto aplicável a cada operação será formada pela soma das alíquotas fixadas pela União, pelos Estados ou Distrito Federal e pelos Municípios;
- Nas operações interestaduais e intermunicipais, incidirá a alíquota definida pelo Estado, DF ou Município de destino e o imposto pertencerá ao Estado, ou DF ou Município de destino.
- Os débitos e créditos serão escriturados por estabelecimento e o imposto será apurado e pago de forma centralizada.
- A receita do imposto será distribuída entre a União, os Estados, o DF e os Municípios proporcionalmente ao saldo líquido entre débitos e créditos do imposto atribuível a cada ente.
Uma rápida leitura da proposta acima sumarizada revela que, além de instituir um imposto que terá alíquota muito elevada (percentual suficiente para abrigar os impostos que serão recolhidos para a União, para os Estados e para os Municípios), o novo tributo alcançará atividades que hoje estão fora da esfera tributária.
Ademais, a PEC sugere que seja incluído um novo inciso III ao artigo 154 da Constituição Federal, autorizando a criação de novos impostos seletivos, com finalidade extrafiscal, destinados a desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos. Diante desse cenário, entendemos que, ainda que venha a ser aprovada PEC 45/2019, os conflitos tributários atuais irão desparecer apenas para ceder espaço para outras discussões.