Andriei Gutierrez, Diretor da ABES e líder de Relações Governamentais da Kyndryl
Desde criança, sempre adorei política e eleições. Acho que é um momento muito rico para debater o futuro. E este ano eleitoral é duplamente especial; também é ano de reedição da Estratégia Brasileira de Transformação Digital para os próximos quatro anos. Nesse cenário, quais deveriam ser as expectativas das organizações brasileiras em franca transformação digital?
Acredito que as organizações e os decision makers, tanto do setor privado quanto governamental, têm muita coisa em comum. Em especial, têm a responsabilidade de olhar para o cenário futuro e repensar suas estratégias individuais e coletivas. Assim, em clima de planejamento, aproveito para deixar cinco tendências que considero merecer ampla atenção.
1.O 5G promete ser uma revolução, mas é preciso ir além do mero incremento de velocidade rumo ao figital. É inegável a importância do 5G para o desenvolvimento econômico e social do país. Do mesmo modo, temos visto amplos esforços de governos e do setor privado para avançar nessa agenda. Mas para alavancar todo o seu potencial, é preciso estar atento à integração do mundo físico ao digital assim como nas novas oportunidades, serviços e produtos disruptivos que podem nascer da combinação dos dois e não somente da mera integração do digital ao físico. Nesse cenário, é muito importante que o poder público também acelere em políticas públicas que estimulem a conectividade nas bordas, a adoção da internet das coisas e, sobretudo, a integração desses sistemas. Crédito, estímulos fiscais e ações de promoção de ecossistemas podem ser ações bem-vindas.
2.Outro tema de grande relevância tem sido o dos ecossistemas, que têm sido progressivamente protagonistas e agido como alavanca da inovação brasileira. Universidades, venture capitalists, grandes empresas, poder público ou grupos sociais têm sido relevantes catalizadores da inovação, formando verdadeiras comunidades de trocas e parcerias. A antiga dinâmica puramente “setorial” tem sido revolucionada por esses ecossistemas que se retroalimentam e impulsionam a inovação em áreas diversas, seja na saúde, no setor financeiro, no agronegócio ou na educação, também na mobilidade e no “cripto”. Cada vez mais, para uma organização inovar é imprescindível que ela faça parte de um ecossistema e que seja muito criteriosa na escolha dos parceiros tecnológicos que a ajudarão nas suas jornadas. A complexidade da tecnologia e a escassez de profissionais com habilidades críticas faz com que elas não imprimam a velocidade necessária nesse processo. No caso dos governos, é preciso que se atentem a esse processo para que também deem foco nas políticas públicas e fortaleçam cada vez mais esses ecossistemas.
3.Mas é sempre importante lembrar que o Brasil não está isolado do resto do planeta. As cadeias globais estão cada vez mais digitais e, no seu centro, estão as plataformas como relevantes impulsionadoras da inovação. As cadeias produtivas globais, mesmo as manufatureiras, estão cada vez mais dependente dos serviços digitais e de plataformas que alavancam esses serviços e possibilitam inovações disruptivas. A escolha, a capacidade de operar plataformas e a habilidade de integrar plataformas e serviços (físicos e digitais) são competências que cada vez mais jogam um papel essencial na competitividade das organizações seja interna ou externamente. Do mesmo modo, governos precisam se atentar que as plataformas vão muito além das redes sociais e que progressivamente têm assumido esse papel relevante para a inovação e o desenvolvimento econômico e social do país.
4.Segurança cibernética, governança de dados e privacidade devem ser prioridades estratégicas organizacionais e nacionais. Já tenho dito isso há anos, mas os avanços, embora existam, ainda estão muito aquém da sua necessária importância. É preciso que as organizações privadas, publicas e os governos invistam cada vez mais nesses três pilares fundamentais do desenvolvimento econômico e social brasileiro. Cada vez mais, serão um diferencial competitivo não somente para as organizações como também para os países.
5.Capital humano ou morte! A qualificação e a requalificação da força de trabalho nas competências digitais é uma questão de competitividade e sobrevivência econômica, mas também de desenvolvimento social sustentável a longo prazo. Arrisco dizer que essa talvez seja uma das áreas de maior atenção para as organizações e autoridades brasileiras. É preciso para ontem uma ampla política nacional de formação técnica. Do mesmo modo, a alta competitividade por talentos escassos está obrigando as organizações inovadoras a mudarem a mentalidade na gestão de pessoas. Quem não elevar a gestão a um patamar mais humano, inclusivo e com bons atrativos profissionais terá dificuldades para atrair talentos, retê-los e se manter competitivo.
Por fim, finalizo este breve artigo com a convicção de que a transformação digital brasileira não é uma atividade de uma organização, setor, ministério ou agência governamental. Deve ser prioridade nacional, com sentido, governança e, sobretudo, cadência. Nutro profunda expectativa (talvez esperança) que o futuro governo, independentemente do resultado de outubro, eleve o tema à prioridade máxima de Estado. E por que não, pensar talvez na criação de uma Secretaria Especial para a Transformação Digital na Presidência da República?