Artigo por Camila Cristina Murta*
De acordo com o escritor americano Nicholas Carr, autor do livro “The Shallows’’, mudamos de acordo com as circunstâncias e tendências que nos rodeiam. Inegavelmente, a evolução tecnológica impacta o cotidiano da sociedade moderna demandando de nós adaptações nos usos e costumes. E, da mesma forma, impacta na prestação dos serviços ao cidadão realizados pela Administração Pública, muito porque nós tornamos mais exigentes, interativos e participativos dos atos públicos.
O uso Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) é crescente no setor público, em especial no pós pandemia, e traz como benefícios concretos a otimização dos processos internos, a economia de recursos, o aumento da produtividade, a melhoria no atendimento e comunicação com a população, a democratização da tomada de decisão, o incremento da governança, dentre outros.
Nesse cenário, sendo o Estado o maior comprador de produtos e serviços da economia brasileira e, tendo, nos últimos anos, incluido em seus planejamentos estratégicos a inovação e a tecnologia, como promover a transformação digital no setor público? Ao longo das últimas décadas, o Estado brasileiro insere a questão do desenvolvimento tecnológico e da inovação na agenda política nacional. Em nível federal, tem-se a introdução de um marco legal para a inovação, o aumento substancial de recursos para essa área e a criação de novos instrumentos de apoio.
A intensificação do uso de tecnologias digitais, a partir de 2016, com a instituição da Politica de Governança Digital (Decreto n. 8.638/2016) e a estruturação da Estratégia de Governo Digital (EGD) em que projeta o governo do futuro como sendo: i) centrado no cidadão, proporcionando serviços mais simples, ágeis e personalizados; ii) integrado numa plataforma única, reduzindo custos e ampliando a oferta de serviços; iii) inteligente, utilizando os dados de forma estratégica para a implementação de políticas públicas; iv) confiável, promovendo o eficiente tratamento da privacidade do cidadão; v) transparente e aberto, permitindo a ampla participação do cidadão; e vi) eficiente, através da otimização das infraestruturas de tecnologia da informação e capacitação dos colaboradores públicos.
Bem como o lançamento, nos anos seguintes, da Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital), documento central da política pública que apresenta um diagnóstico dos desafios a serem enfrentados e uma visão de futuro para a transformação digital da economia, do governo e da sociedade brasileira.
Em que pese os esforços normativos e legislativos, bem como a melhoria do Índice de Desenvolvimento em Governo Eletrônico (EGDI, na sigla em inglês, e-government development index)[1], em que o Brasil saltou da 54ª posição, em 2020, para a 49ª posição, em 2022, o país, ainda, apresenta elevado índice de exclusão digital, em que 15,3% da população[2] (IBGE 2022) não tem acesso à internet, principalmente nas regiões mais pobres ou remotas do país.
Nesse cenário, tanto a implementação dessas medidas estruturadas pelo Governo Federal quanto o reconhecimento da implementação de serviços digitais têm tido como ponto de inflexão a falta de familiarização com as soluções TIC e sua forma de contratação que, trazem dúvidas, receios e, dificultam os órgãos públicos de inovar. Somando a necessidade de mudanças culturais dos servidores públicos, alinhadas ao uso das novas tecnologias, o que envolve mudanças nas rotinas de processo, mudanças legais e mudanças comportamentais.
Entende-se que, para atender a essa crescente demanda tecnológica, a transversalidade aplicada a Tecnologia e Inovação é o caminho para a interação e comunicação entre diversas estruturas e o debate de desafios comuns, gerando ações e politicas cooperadas, integradas e convergentes.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) defendeu, recentemente, a cooperação institucional e incentivo a projetos transversais para enfrentar os desafios globais. Destancando a fala da Secretária de Políticas e Programas Estratégicos do MCTI, Marcia Barbosa: “A ciência do século 21 é coletiva, é diversa, é plural. O MCTI vai incentivar projetos transversais”.
Necessário se faz, portanto, fortalecer a articulação público-privada e público-público, visando integrar investimentos e esforços estruturais diante das rupturas tecnológicas crescentes, envolvendo múltiplos atores – do governo, da sociedade civil organizada e do setor privado objetivando obter a pluralidade de ideais e valores fundamentais para levar, com eficiência e eficácia, a inovação para o setor público.
Por fim, relevante trazer o conceito de mentalidade inovadora que é ter capacidade de ver cada dificuldade como uma oportunidade. Em outras palavras, buscar soluções para os problemas apresentados de maneira ágil e com o menor esforço e custo possível, atuando com empatia diante das diferentes perspectivas e novas experimentar soluções.
[1] EGDI é um indicador das Nações Unidas que mede o grau de efetividade dos 193 países-membros na prestação de serviços públicos por meios digitais, calculado levando em consideração três outros indicadores: o índice de oferta de serviços online, o de infraestrutura de telecomunicações e o de recursos humanos disponíveis
[2] Representa cerca de 28,2 milhões de brasileiros de 10 ou mais de idade que não usavam internet no ano passado.
* Artigo publicado originalmente no portal IT Forum em 19 de junho de 2023
Camila Cristina Murta é líder do Grupo de Trabalho de Compras Públicas da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES). Advogada especialista em Licitações e Contratos, Governança Pública e Tecnológica na Administração Publica, Camila Cristina Murta atua como Especialista em compras e estratégias no setor público na Amazon Web Services (AWS).